A velhice
Afinal, viver muito é uma bênção ou uma maldição?
Pra
quem assistiu o antigo filme do Highlander sabe que uma das maiores
dores dele é ver seus entes queridos morrerem enquanto a sua incapacidade de
morrer o arrasta para a eternidade.
Dizem por aí que o grande segredo da vida é a
viagem e não o destino em si. Ora, seguindo essa lógica, se a vida for uma
viagem, então o destino dela é a morte. No final dela, como dizem as grandes
poesias por aí, além da melancolia de não ter se vivido tudo o que se esperava
viver, ou de não ter feito tudo o que gostaria de ter feito por falta de
coragem, temos, também, uma fração de segundos em que se correm numa efêmera
visualização todas as amizades e belas sensações vividas com as pessoas
queridas. É desta última experiência que saem as epifanias de que talvez não
era o dinheiro o mais importante de tudo, mas, sim, as experiências vividas, e
acima disso, com quem se as viveu.
Parece um tanto
quanto simples. Algo que se possa resumir como fazer amizades, cultivar bons
amigos, ser um bom filho ou filha, ser um bom pai ou mãe, colecionar memórias e
boas emoções e no final ficar com a sensação de se ter vivido uma boa vida. Porém,
aí reside um grande dilema. Afinal, se você seguir todos os conselhos dos
velhos gurus, ou ao menos das pessoas autoproclamadas sábias pela sua
experiência de vida, então você viverá uma vida plena?
Porque neste
mar de experiências vividas, quanto mais tempo você viver, mais amigos você irá
enterrar. Alguns jovens, outros não tão jovens assim. Alguns, vítimas de
acidentes fatais, outros vítimas de uma genética não tão benevolente assim
citando câncer e outras doenças auto imunes tão cruéis quanto ditadores
sanguinários. Pode se pensar, de repente, que a melhor opção seja viver uma
vida plena, mas com um comprimento mediano, o suficiente para se sentir
satisfeito, mas não tão comprida a ponto de incomodar outras pessoas. Esta é a
grande frase que ecoa nas gerações: “se for pra viver numa cama dando trabalho
pra outras pessoas, eu prefiro morrer antes”.
Ironicamente,
vemos nos asilos ou em histórias de conhecidos, velhos rabugentos, boêmios que abandonaram
suas esposas, espancaram seus filhos, viveram uma vida de excessos, não se
importam com a vida alheia, mas que perduram, quase que teimosamente, a viver,
ainda que abandonados pelos seus entes, que deveriam ser queridos, mas que se
recusam a dar qualquer consolo a este que tantos lhes causou sofrimento e
desgosto.
Se você os
questionar, apesar de já terem uma idade acima da expectativa de vida local,
alguns ainda buscam conscientemente passar dos 100 anos, e já ouvi de um uma
vez que gostaria de chegar aos 120 anos, pois se alimentava bem, praticava
exercícios físicos, vivia uma vida regrada e ouvia áudios de motivação todos os
dias para, segundo ele, “atrair mais riqueza e longevidade”. A minha mente
urgia para questionar o motivo de se viver tanto, já que ele, apesar de casado,
tinha uma vida isolada, sem amigos, sem hobbies, desprezado pelos filhos devido
à sua atitude hostil e preconceituosa a respeito da escolha de vida deles, como
se a vida fosse uma corrida e ele estivesse apostando para ver quem chegaria
mais longe, ainda que o final desta irônica corrida seja uma doce e lenta
morte. “Vocês vão ver como isso vai fazer diferença, vocês vão ver...” Era a
sua decorada resposta quando questionado o motivo de tantas regras para viver.
Eu realmente espero não estar lá pra ver isso que ele queira que eu veja, pois
não me parece que será um funeral cheio de pessoas para aplaudi-lo, já que se
ele viver o tanto que diz querer viver, todos os seus conhecidos já terão
partido.
Talvez seja
isso mesmo. Essas pessoas sabem que terão de lidar com a dor da despedida, ou
pelo menos com o incômodo de se criar conexões com essas pessoas, para somente
depois ter de quebrá-las no momento das suas partidas, então, deliberadamente,
destroem todas as possibilidades de conexão com qualquer pessoa que cruze o seu
caminho. Um tanto niilista essa forma de pensar, mas a técnica é basicamente maltratar
seu cônjuge, tratar mal seus filhos, não criar amigos, ou não se importar genuinamente
com qualquer aspecto de suas vidas, viver uma vida solitária e pegar para si o
que julgar ser importante e relevante, demonstrando o mais alto egoísmo que um
ser humano pode alcançar em vida.
E nos seus últimos
dias, ouvir apenas algumas palavras soltas de enfermeiros do asilo ou do hospital
em que esteve, ou talvez um agente funerário imaginando que talvez tenha vivido
uma vida plena, pois, a lógica dita que se viveu bastante. “Deve ter
aproveitado muito. Viveu bastante, então deve ter amado bastante” – hão de
pensar. Pobres e ingênuas pessoas. Ah! Se fosse possível viver com tantas
pessoas queridas ao seu redor e tantos anos, seria o ideal para uma vida
completa, feliz e cheias de experiências reais. Porém, você teria de lidar com
a dor da partida precoce de muitos.
Então, seguindo
aos velhos gurus e as pessoas que se arrependeram de várias coisas em seu leito
de morte e tentaram passar adiante algum pensamento, o ideal seria você
cultivar a relação com a sua família, aprofundar o relacionamento com eles,
fazer amizades verdadeiras e mantê-las enquanto criam memórias significativas,
atingir ao máximo de compreensão verdadeira com eles e permitir que o altruísmo
impere e, também, disseminar ao máximo esse conceito. Talvez isso seja a
linguagem do amor que tanto falam por aí.
A compreensão
desse conceito, ou dessa modalidade de vida, seja qual nome que você queira
usar, pode nos ajudar a entender a opção de vida dessas pessoas para melhor compreendê-las
e, talvez, perdoá-las, caso alguma delas faça parte do seu círculo íntimo, seja
como amigos ou parentes. A consciência destes fatos nos traz clareza, a clareza
nos leva à compaixão, e a compaixão, talvez, nos leva ao perdão. Independentemente
dessa clareza, ainda resta a dúvida:
Afinal, viver
muito é uma bênção ou uma maldição?
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