10 milhões de reais
Recentemente estourou
na internet um texto um tanto quanto elaborado para forçar a consciência das
pessoas. O apresentador pergunta ao entrevistado se ele ficaria feliz se ele
lhe desse 1 milhão de reais. Obviamente que a resposta era positiva, e invariavelmente
o apresentador tinha condições para tal, então o clima ficava mais festivo
ainda. Em seguida o apresentador continuava o ensaio oferecendo 10 milhões de
reais, porém com uma condição: que a vida da pessoa acabasse no mesmo dia, ou
seja, que ele não pudesse mais desfrutar o amanhã. E, então, o entrevistado,
sem titubear respondia que não, que preferia viver sem o tão sonhado prêmio. E aí
que vem a frase de efeito: “Quer dizer que a sua vida vale mais do que 10
milhões de reais?” e em seguida viria toda a lição de moral, ou qualquer pauta
que estava sendo avaliada no momento.
Não digo que
o exercício mental não valha a pena. De fato, a consciência gerada depois desse
exercício pode te trazer algum alívio momentâneo, ou até uma ponta de
motivação, a depender do momento em que sua vida se encontra. Mas a minha
crítica vai além, pois nenhum ser, mortal ou imortal, vivo ou inerte, capaz ou
incapaz, dotado de inteligência ou não escolheria a segunda opção em que a sua
vida seria ceifada quase que instantaneamente. É um tanto quanto óbvio que a
resposta seja essa, afinal, o apresentador sempre vai esperar essa resposta
para que a sua bomba moral tenha efeito. É o clássico caso do sapo fervido na
água da própria lagoa.
O que não se passa
na nossa consciência, e o que deveria ser analisado corretamente nesses
exercícios, é que muitos de nós, senão todos nós, talvez estejamos escolhendo a
segunda opção, mas de forma lenta, gradual e inconsciente.
Digamos que
ao invés de 10 milhões de reais, eu te oferecesse um carro novo, ou talvez o
cargo tão sonhado na empresa que você trabalhe, ou uma segunda filial da sua
empresa que você tanto almeja, ou qualquer outro bem material ou não material
que todos nós, em algum dia da nossa vida, desejamos tão vorazmente, mas em troca
disso você teria que abdicar dos dias efêmeros e fugazes da infância do seu
filho(a). Você teria o seu objetivo alcançado, mas você não poderia vê-lo
crescer, ou acompanhá-lo na escola, ou aproveitar qualquer momento da sua
infância até a sua fase adulta. Você teria uma singela chance de talvez ser reconhecido
como pai ao final do processo, pois apesar de possuir seus genes, ele não teria
convivido contigo na fase mais tenra da sua vida.
Colocando
assim dessa forma, parece mais uma vez que a resposta seria muito óbvia
novamente. Mas, infelizmente, a pergunta não vem assim tão clara e direta a
ponto de te dar um tempo de reposta adequado. Talvez essa pergunta nunca venha,
mas a decisão é tomada sem que ela lhe toque a consciência. Quando você menos esperar,
você estará trocando o sábado tão sagrado de sair com seu filho para poder entregar
aquele relatório que faltou entregar na semana. Ou talvez você não vá à
apresentação da escola da criança para poder terminar de se dedicar ao projeto
que foi iniciado. Em algum momento você deixará de brincar com ele de noite,
pois está cansado, ou resolveu ler os artigos ou livros que precisa para
crescer no cargo que escolheu. E, sem querer, você acaba achando que o barulho
que ele faz pra chamar a sua atenção para brincar é um estorvo ao seu sucesso,
e que ele deveria entender o seu esforço pois todos os resultados foram
dedicados a ele mesmo, ainda que seja um entendimento imposto a uma criança em crescimento
sem qualquer malícia dessas nuances do mundo moderno. Aos poucos, lenta e gradualmente a sua escolha
vai tomando forma sem que ao menos você tivesse a justa opção de saber que
havia uma outra opção.
Eu me lembro
de assistir no YouTube a uma palestra do ex-monge Andy Puddicombe em que ele
descreve uma conversa que ele presenciou entre um amigo e seu filho de 4 anos. A
criança lhe pergunta: “Papai, por que você fica tanto tempo fora de casa?”, e o
pai imediatamente o responde: “O papai fica muito tempo fora de casa por causa
do trabalho.”. E a criança continua: “Mas por que você precisa trabalhar tanto
assim?”, e o pai responde: “Para que possamos ter mais dinheiro, e assim
teremos mais liberdade e mais tempo para brincarmos juntos.”. Foi justamente
neste momento em que ele conseguiu se ouvir e perceber a insanidade de suas
palavras e de sua forma de viver, pois o momento de brincar era agora, e não
depois do seu sucesso financeiro. Essa é a escolha feita sem ao menos ter
ouvido a questão.
Nem sempre a
vida nos trará questões tão claras e simplificadas como essa que viralizou para
tomarmos nossas decisões. Quase que em sua totalidade a vida nos trará questões
silenciosas e nossas decisões serão tão silenciosas quanto suas nefastas opções.
Pode ser uma infância perdida, pode ser um namoro obscurecido ou até um
casamento desperdiçado. Pode ser a sabedoria dos idosos ou um breve momento
perdido com nossos saudosos pais. Qualquer que seja a decisão, nós só a
saberemos depois de transcorrido o tempo necessário para se voltar atrás e tentar
pegar a primeira opção, ou simplesmente negar a segunda e procurar por uma
terceira opção que não foi lhe oferecido.
Em suma,
podemos dizer que o exercício é válido, porém é incompleto se você não
conseguir visualizar todo o afresco com todas as suas minúcias e detalhes que a
maioria dos olhos destreinados não conseguem ver. Se você conseguir parar e
avaliar se a vida lhe trouxe essas questões, talvez você tenha conseguido tirar
proveito da grande lição de se recusar 10 milhões de reais.
Ao menos, se
essa for a sua escolha perante a entrevistadora chamada vida.
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