O Ser Humano nasceu para aprender

Saturday, October 07, 2023

10 milhões de reais

 

Recentemente estourou na internet um texto um tanto quanto elaborado para forçar a consciência das pessoas. O apresentador pergunta ao entrevistado se ele ficaria feliz se ele lhe desse 1 milhão de reais. Obviamente que a resposta era positiva, e invariavelmente o apresentador tinha condições para tal, então o clima ficava mais festivo ainda. Em seguida o apresentador continuava o ensaio oferecendo 10 milhões de reais, porém com uma condição: que a vida da pessoa acabasse no mesmo dia, ou seja, que ele não pudesse mais desfrutar o amanhã. E, então, o entrevistado, sem titubear respondia que não, que preferia viver sem o tão sonhado prêmio. E aí que vem a frase de efeito: “Quer dizer que a sua vida vale mais do que 10 milhões de reais?” e em seguida viria toda a lição de moral, ou qualquer pauta que estava sendo avaliada no momento.

Não digo que o exercício mental não valha a pena. De fato, a consciência gerada depois desse exercício pode te trazer algum alívio momentâneo, ou até uma ponta de motivação, a depender do momento em que sua vida se encontra. Mas a minha crítica vai além, pois nenhum ser, mortal ou imortal, vivo ou inerte, capaz ou incapaz, dotado de inteligência ou não escolheria a segunda opção em que a sua vida seria ceifada quase que instantaneamente. É um tanto quanto óbvio que a resposta seja essa, afinal, o apresentador sempre vai esperar essa resposta para que a sua bomba moral tenha efeito. É o clássico caso do sapo fervido na água da própria lagoa.

O que não se passa na nossa consciência, e o que deveria ser analisado corretamente nesses exercícios, é que muitos de nós, senão todos nós, talvez estejamos escolhendo a segunda opção, mas de forma lenta, gradual e inconsciente.

Digamos que ao invés de 10 milhões de reais, eu te oferecesse um carro novo, ou talvez o cargo tão sonhado na empresa que você trabalhe, ou uma segunda filial da sua empresa que você tanto almeja, ou qualquer outro bem material ou não material que todos nós, em algum dia da nossa vida, desejamos tão vorazmente, mas em troca disso você teria que abdicar dos dias efêmeros e fugazes da infância do seu filho(a). Você teria o seu objetivo alcançado, mas você não poderia vê-lo crescer, ou acompanhá-lo na escola, ou aproveitar qualquer momento da sua infância até a sua fase adulta. Você teria uma singela chance de talvez ser reconhecido como pai ao final do processo, pois apesar de possuir seus genes, ele não teria convivido contigo na fase mais tenra da sua vida.

Colocando assim dessa forma, parece mais uma vez que a resposta seria muito óbvia novamente. Mas, infelizmente, a pergunta não vem assim tão clara e direta a ponto de te dar um tempo de reposta adequado. Talvez essa pergunta nunca venha, mas a decisão é tomada sem que ela lhe toque a consciência. Quando você menos esperar, você estará trocando o sábado tão sagrado de sair com seu filho para poder entregar aquele relatório que faltou entregar na semana. Ou talvez você não vá à apresentação da escola da criança para poder terminar de se dedicar ao projeto que foi iniciado. Em algum momento você deixará de brincar com ele de noite, pois está cansado, ou resolveu ler os artigos ou livros que precisa para crescer no cargo que escolheu. E, sem querer, você acaba achando que o barulho que ele faz pra chamar a sua atenção para brincar é um estorvo ao seu sucesso, e que ele deveria entender o seu esforço pois todos os resultados foram dedicados a ele mesmo, ainda que seja um entendimento imposto a uma criança em crescimento sem qualquer malícia dessas nuances do mundo moderno.  Aos poucos, lenta e gradualmente a sua escolha vai tomando forma sem que ao menos você tivesse a justa opção de saber que havia uma outra opção.

Eu me lembro de assistir no YouTube a uma palestra do ex-monge Andy Puddicombe em que ele descreve uma conversa que ele presenciou entre um amigo e seu filho de 4 anos. A criança lhe pergunta: “Papai, por que você fica tanto tempo fora de casa?”, e o pai imediatamente o responde: “O papai fica muito tempo fora de casa por causa do trabalho.”. E a criança continua: “Mas por que você precisa trabalhar tanto assim?”, e o pai responde: “Para que possamos ter mais dinheiro, e assim teremos mais liberdade e mais tempo para brincarmos juntos.”. Foi justamente neste momento em que ele conseguiu se ouvir e perceber a insanidade de suas palavras e de sua forma de viver, pois o momento de brincar era agora, e não depois do seu sucesso financeiro. Essa é a escolha feita sem ao menos ter ouvido a questão.

Nem sempre a vida nos trará questões tão claras e simplificadas como essa que viralizou para tomarmos nossas decisões. Quase que em sua totalidade a vida nos trará questões silenciosas e nossas decisões serão tão silenciosas quanto suas nefastas opções. Pode ser uma infância perdida, pode ser um namoro obscurecido ou até um casamento desperdiçado. Pode ser a sabedoria dos idosos ou um breve momento perdido com nossos saudosos pais. Qualquer que seja a decisão, nós só a saberemos depois de transcorrido o tempo necessário para se voltar atrás e tentar pegar a primeira opção, ou simplesmente negar a segunda e procurar por uma terceira opção que não foi lhe oferecido.

Em suma, podemos dizer que o exercício é válido, porém é incompleto se você não conseguir visualizar todo o afresco com todas as suas minúcias e detalhes que a maioria dos olhos destreinados não conseguem ver. Se você conseguir parar e avaliar se a vida lhe trouxe essas questões, talvez você tenha conseguido tirar proveito da grande lição de se recusar 10 milhões de reais.

Ao menos, se essa for a sua escolha perante a entrevistadora chamada vida.

Friday, October 06, 2023

A velhice

                 Afinal, viver muito é uma bênção ou uma maldição?

                Pra quem assistiu o antigo filme do Highlander sabe que uma das maiores dores dele é ver seus entes queridos morrerem enquanto a sua incapacidade de morrer o arrasta para a eternidade.

   Dizem por aí que o grande segredo da vida é a viagem e não o destino em si. Ora, seguindo essa lógica, se a vida for uma viagem, então o destino dela é a morte. No final dela, como dizem as grandes poesias por aí, além da melancolia de não ter se vivido tudo o que se esperava viver, ou de não ter feito tudo o que gostaria de ter feito por falta de coragem, temos, também, uma fração de segundos em que se correm numa efêmera visualização todas as amizades e belas sensações vividas com as pessoas queridas. É desta última experiência que saem as epifanias de que talvez não era o dinheiro o mais importante de tudo, mas, sim, as experiências vividas, e acima disso, com quem se as viveu.

Parece um tanto quanto simples. Algo que se possa resumir como fazer amizades, cultivar bons amigos, ser um bom filho ou filha, ser um bom pai ou mãe, colecionar memórias e boas emoções e no final ficar com a sensação de se ter vivido uma boa vida. Porém, aí reside um grande dilema. Afinal, se você seguir todos os conselhos dos velhos gurus, ou ao menos das pessoas autoproclamadas sábias pela sua experiência de vida, então você viverá uma vida plena?

Porque neste mar de experiências vividas, quanto mais tempo você viver, mais amigos você irá enterrar. Alguns jovens, outros não tão jovens assim. Alguns, vítimas de acidentes fatais, outros vítimas de uma genética não tão benevolente assim citando câncer e outras doenças auto imunes tão cruéis quanto ditadores sanguinários. Pode se pensar, de repente, que a melhor opção seja viver uma vida plena, mas com um comprimento mediano, o suficiente para se sentir satisfeito, mas não tão comprida a ponto de incomodar outras pessoas. Esta é a grande frase que ecoa nas gerações: “se for pra viver numa cama dando trabalho pra outras pessoas, eu prefiro morrer antes”.

Ironicamente, vemos nos asilos ou em histórias de conhecidos, velhos rabugentos, boêmios que abandonaram suas esposas, espancaram seus filhos, viveram uma vida de excessos, não se importam com a vida alheia, mas que perduram, quase que teimosamente, a viver, ainda que abandonados pelos seus entes, que deveriam ser queridos, mas que se recusam a dar qualquer consolo a este que tantos lhes causou sofrimento e desgosto.

Se você os questionar, apesar de já terem uma idade acima da expectativa de vida local, alguns ainda buscam conscientemente passar dos 100 anos, e já ouvi de um uma vez que gostaria de chegar aos 120 anos, pois se alimentava bem, praticava exercícios físicos, vivia uma vida regrada e ouvia áudios de motivação todos os dias para, segundo ele, “atrair mais riqueza e longevidade”. A minha mente urgia para questionar o motivo de se viver tanto, já que ele, apesar de casado, tinha uma vida isolada, sem amigos, sem hobbies, desprezado pelos filhos devido à sua atitude hostil e preconceituosa a respeito da escolha de vida deles, como se a vida fosse uma corrida e ele estivesse apostando para ver quem chegaria mais longe, ainda que o final desta irônica corrida seja uma doce e lenta morte. “Vocês vão ver como isso vai fazer diferença, vocês vão ver...” Era a sua decorada resposta quando questionado o motivo de tantas regras para viver. Eu realmente espero não estar lá pra ver isso que ele queira que eu veja, pois não me parece que será um funeral cheio de pessoas para aplaudi-lo, já que se ele viver o tanto que diz querer viver, todos os seus conhecidos já terão partido.

Talvez seja isso mesmo. Essas pessoas sabem que terão de lidar com a dor da despedida, ou pelo menos com o incômodo de se criar conexões com essas pessoas, para somente depois ter de quebrá-las no momento das suas partidas, então, deliberadamente, destroem todas as possibilidades de conexão com qualquer pessoa que cruze o seu caminho. Um tanto niilista essa forma de pensar, mas a técnica é basicamente maltratar seu cônjuge, tratar mal seus filhos, não criar amigos, ou não se importar genuinamente com qualquer aspecto de suas vidas, viver uma vida solitária e pegar para si o que julgar ser importante e relevante, demonstrando o mais alto egoísmo que um ser humano pode alcançar em vida.

E nos seus últimos dias, ouvir apenas algumas palavras soltas de enfermeiros do asilo ou do hospital em que esteve, ou talvez um agente funerário imaginando que talvez tenha vivido uma vida plena, pois, a lógica dita que se viveu bastante. “Deve ter aproveitado muito. Viveu bastante, então deve ter amado bastante” – hão de pensar. Pobres e ingênuas pessoas. Ah! Se fosse possível viver com tantas pessoas queridas ao seu redor e tantos anos, seria o ideal para uma vida completa, feliz e cheias de experiências reais. Porém, você teria de lidar com a dor da partida precoce de muitos.

Então, seguindo aos velhos gurus e as pessoas que se arrependeram de várias coisas em seu leito de morte e tentaram passar adiante algum pensamento, o ideal seria você cultivar a relação com a sua família, aprofundar o relacionamento com eles, fazer amizades verdadeiras e mantê-las enquanto criam memórias significativas, atingir ao máximo de compreensão verdadeira com eles e permitir que o altruísmo impere e, também, disseminar ao máximo esse conceito. Talvez isso seja a linguagem do amor que tanto falam por aí.

A compreensão desse conceito, ou dessa modalidade de vida, seja qual nome que você queira usar, pode nos ajudar a entender a opção de vida dessas pessoas para melhor compreendê-las e, talvez, perdoá-las, caso alguma delas faça parte do seu círculo íntimo, seja como amigos ou parentes. A consciência destes fatos nos traz clareza, a clareza nos leva à compaixão, e a compaixão, talvez, nos leva ao perdão. Independentemente dessa clareza, ainda resta a dúvida:

Afinal, viver muito é uma bênção ou uma maldição?